quarta-feira, 2 de setembro de 2009

A Festa em Video

Tempo de antena do PCP - Watch more Videos at Vodpod.

Programa do Auditório - Ciênciavante! 2009


Sexta-feira (4 Setembro 2009):


21:00 – Documentário “A vida no Universo”

Sábado (5 Setembro 2009):

14:30 – Dos primeiros primatas ao Ser Humano

Oradores/Moderadores: Catarina Casanova; Joana Dinis.

16:30 – A Revolução Francesa - “Lamarck e o pensamento evolucionista”

Oradores/Moderadores:Luís Vicente; Anabela Silva.

18:30 – O Homem Novo - “Darwinismo e Marxismo”

Oradores/Moderadores: André Levy; Silvia Silva.

Domingo (6 Setembro 2009):

15:00 – Galileu e o Homem no Universo - “2009 - Ano Internacional da Astronomia”

Oradores/Moderadores: Máximo Ferreira; Pedro Ré; Patrícia Bargado.

Nota: Visita do Jerónimo de Sousa ao Pavilhão da Ciência, pelas 21:30, no dia 4 de Setembro (6.ª feira).

quinta-feira, 9 de julho de 2009

«Da vida no universo ao universo da vida»

Quase a completar uma década de existência na Festa do Avante!, o pavilhão da Ciência e Tecnologia prepara para este ano uma exposição ímpar e cativante, quer para quem dela poderá usufruir durante os três dias da Festa, quer para os que, durante meses, trabalham na sua preparação. O desafio é «meter» 4500 milhões de anos em escassas dezenas de metros quadrados, disseram ao Avante!os membros do colectivo responsável pela mostra patente na Quinta da Atalaia nos próximos dias 4, 5 e 6 de Setembro.

Sob o lema «da vida no universo ao universo da vida», a exposição deste ano no Espaço Ciência e Tecnologia da Festa do Avante! dará a conhecer, de uma forma acessível e dinâmica, as principais etapas da evolução da vida na Terra até aos dias de hoje. O desafio colocado é enorme, quer para o visitante quer para os militantes e amigos da Festa encarregues de o concretizarem, lembrou Augusto Flor, responsável pelo colectivo.

A emergência do tema impôs-se, explica Luís Vicente. «Este ano assinala-se os 150 anos da publicação de “A Origem das Espécies” e os 200 anos de Charles Darwin. Comemora-se os dois séculos da publicação da “Filosofia Zoológica”, de Jean-Baptiste Lamarck, que é o primeiro texto a expor uma teoria evolucionista. Por isso entendemos que 2009 seria um ano excelente para falar de evolução».

Como é que tudo isto vai funcionar? «- A ideia é termos vários painéis nos quais se narra uma história que começa há 4569 milhões de anos com a formação da Terra e avançar até chegarmos ao Homem como hoje o conhecemos», continua.

«De um painel ao outro, fala-se dos primeiros oceanos, dos primeiros indícios de vida, da formação do oxigénio - que depois permite a expansão da vida e a formação da camada de ozono – do surgimento dos organismos pluricelulares e com eles a reprodução sexuada, que é uma etapa fundamental para a diversidade da vida, os primeiros animais com esqueleto, a grande explosão do Câmbrico, o surgimento das plantas e dos anfíbios que vão conquistar o ambiente terrestre e com isso um novo tipo de respiração», explica Luís Vicente. Nesta autêntica odisseia fala-se ainda da deriva dos continentes, ou seja, como é que as partes imersas da Terra adquiriram a configuração que têm hoje, e do aparecimento do Homem Moderno, «esse ser estranhíssimo que povoa o planeta há apenas 100 mil anos», graceja.

Um percurso fascinante

Recuando um pouco na cronologia – aproximadamente 65 milhões de anos –, a exposição traça a evolução dos primatas até ao Homo Sapiens Sapiens, «uma história com várias personagens, algumas das quais extintas, outras que perduraram até aos dias de hoje», esclarece Catarina Casanova. «A ideia é desconstruir a imagem que apresenta a evolução como sendo linear, isto é, uma espécie dá origem a outra e assim sucessivamente», quando, na verdade, este processo «é mais uma espécie de arbusto com diferentes ramos, alguns dos quais são um beco evolutivo», e esclarecer que «algumas destas espécies viveram simultaneamente com a nossa espécie», sublinha.

Outro ponto importante na exposição e que entronca com a tecnologia. «É chamar a atenção para as diferentes conquistas ao longo do processo evolutivo, isto é, quando é que surge o fogo, ou pelo menos quando é que identificamos evidências do seu surgimento; que tipo de culturas líticas, de tecnologias, é que estão associadas a estas diferentes espécies; que tipo de ferramentas é que construíam e com que materiais», diz ainda Catarina Casanova.

Aprender experimentando

Para tornar mais acessível todo este manancial de conhecimento aos visitantes, a aposta é a interactividade. «Para além das experiências elaboradas pelo nosso colectivo, temos também as que são trazidas pelo Núcleo de Estudantes de Física do Instituto Superior Técnico, colaboradores assíduos da Festa, e o espaço dedicado à Astronomia, dinamizado pelo professor Máximo Ferreira, do Centro de Ciência Viva de Constância», conta-nos Anabela Silva.«Nas experiências que estamos a trabalhar neste colectivo, vamos obviamente falar da evolução da vida, da sua diversificação a partir de um tronco comum, por isso faz sentido termos disponível a observação microscópica de células animais e vegetais», frisa. Mas as experiências não se ficam por aqui; vai ser possível, por exemplo, perceber como se explica do ponto de vista geológico a formação dos Himalaias, acrescenta Augusto Flor.

Em cada momento da visita ao Pavilhão da Ciência e Tecnologia estarão disponíveis camaradas e amigos capazes de tirar dúvidas e acompanhar experiências. É que na Festa nunca ninguém se sente perdido.

Uma mostra plena de actualidade

«O conhecimento não é neutro. Assim podemos afirmar que a exposição é política de ponta a ponta, embora seja possível destacar dois momentos onde isso se torna mais explícito», destaca Luís Vicente. «Falamos com a história abordando a construção do conhecimento relacionado com o evolucionismo. Neste contexto começamos com os atomistas, os primeiros gregos que falam de evolução; depois temos a Idade Média e um bocadinho do Renascimento, períodos nos quais a defesa de uma abordagem evolucionista podia valer a fogueira; a seguir tratamos da revolução francesa e do Lamarck, depois do Darwin, que nasce entre duas grandes revoluções, a francesa e a industrial, e que por isso tem todo o seu pensamento influenciado pela época em que nasce».

«Num segundo momento, levantamos as questões da biodiversidade e vamos dizer que a base da vida na terra está numa fase de ampla diminuição e destruição, mas acrescentando que não se trata de uma fatalidade», lembrou Luís Vicente. «O que se passa é que vivemos num processo de acumulação permanente, o sistema capitalista, incapaz de preservar a biodiversidade. É utópico pensar que pode haver uma economia de manutenção no quadro do capitalismo», insiste.

«Só uma alternativa que ponha fim ao sistema baseado na sobre-exploração e exaustão dos recursos e na destruição da biodiversidade, será capaz de defender a vida na Terra», conclui.

Diálogo entre a ciência e a arte

Central na história da evolução da vida na Terra e, por conseguinte, na exposição que lhe é dedicada na Festa do Avante!, é a relação entre as artes e letras e a ciência e tecnologia.

O que tenho que fazer para os visitantes é, parafraseando Mia Couto, ilustrar «o casamento entre a beleza e a verdade», fazer reflectir de forma mais simbólica e mais leve as matérias obrigatoriamente tratadas no rigor das chamadas ciências duras, diz-nos Alice Figueira.

«Quando vemos as primeiras gravuras, ou a primeira escultura, quando lemos uma poesia ou uma prosa, ela de certa forma amacia o rigor científico da exposição», aduz. «Afinal a ciência e a arte são como margens do mesmo rio», continua Alice Figueira voltando a citar o escritor e biólogo moçambicano.

Aprender brincando

Para os mais pequenos, o pavilhão da Ciência e Tecnologia tem reservado um cantinho muito especial, pensado e executado para chegar aos mais pequenos «com a linguagem própria para eles, onde podem interagir, deixar as suas próprias pegadas, fazer desenhos e ao mesmo tempo assimilar a informação», diz-nos Sílvia Silva.

«Vamos também fazer um puzzle com o qual as crianças poderão aceder a um bocadinho de cada parte da exposição e, para além disso, voltaremos a ter um pequeno concurso, com perguntas muito simples. Por cada resposta certa, as crianças passam à etapa seguinte», revela Lurdes Silva.

Difícil é mesmo não ver os mais graúdos a querer aprender brincando, dizem-nos entre sorrisos. Também não faz mal, até é bom que este nosso espaço promova a interacção entre pais e filhos, acrescenta Lurdes Silva.
Algo que se pode continuar em casa adquirindo os formatos digitais disponíveis na banca do espaço Ciência e Tecnologia, onde ainda se podem adquirir outras lembranças, frisa Sílvia Silva.

Levar mais longe a Festa

Se durante três dias a exposição é uma das mais vistas na Festa, depois desta encerrar os painéis galgam o terreno da Quinta da Atalaia e percorrem quilómetros em iniciativas promovidas nos Centros de Trabalho do Partido ou em escolas por todo o País, consoante um mapa de disponibilidade. Isto é possível pela amplitude e impacto que tem na sociedade portuguesa a Festa do Avante!, que chega a milhares e milhares de pessoas.

No que ao colectivo de Ciência e Tecnologia diz respeito, esse é um esforço que, assegura José Fonseca, vale a pena na medida em que todos os anos acrescenta gente à Festa. «O objectivo é divulgar o mais possível o tema da exposição entre os meios académicos, na comunicação social mais específica na área da ciência, uma experiência com resultados de sucesso igualmente na divulgação da Festa como um todo», sintetiza.

Entusiasmo em construir

Na conversa que tivemos com o colectivo do Espaço de Ciência e Tecnologia, encontrámos duas jovens cientistas que pela primeira vez estão nos bastidores, meses antes das portas abrirem, a contribuír para que no primeiro fim-de-semana de Setembro tudo esteja pronto.

Susana Varela tem como missão encurtar e rever os textos para que caibam nos painéis e estejam inteligíveis a todos os visitantes. «A minha percepção da Festa, já que é a primeira vez que participo na sua construção, é diferente e entusiasmante», revela.

Idêntico entusiasmo expressa Susana Costa, que apesar de ser visitante assídua da Festa do Avante! nunca antes abraçou tarefas na sua construção, por isso considera «um grande privilégio poder estar aqui».

«A Festa tem um lado lúdico que é bastante vincado, mas acho que este outro lado é extremamente importante na medida em que a ciência não tem que existir para uma elite, pelo contrário deve estar acessível a todas as pessoas, que é o que procuramos», garante.Susana Costa diz ainda estar «muito curiosa para ver o resultado final, sobretudo a parte consagrada à biodiversidade, porque é a área mais próxima do trabalho que habitualmente realizo».

Localização privilegiada

Situado junto ao Lago, o pavilhão da Ciência e tecnologia é um espaço privilegiado. Todos os anos é pensado para acolher com maior conforto e eficácia os milhares de pessoas que por ele passam.

«Na entrada vamos ter um friso cronológico que vai mostrar de forma breve a evolução. Na zona central vão estar organizadas as exposições, quer a mostra propriamente dita, quer as experiências. Depois temos o auditório (no qual se realizam debates e conferências, isto para além do debate agendado para o Pavilhão Central), e junto a este o espaço dedicado às crianças. Na parede restante, estarão as personalidades e a actualidade», explica com desenvoltura Patrícia Bargado, responsável pela arquitectura do pavilhão.

«Isto vem ao encontro de algo que tentamos ter sempre presente ano após ano, que é transformar o espaço acrescentando alguma coisa diferente», frisa Sílvia Silva.«Desta vez procurámos não apenas ter a exposição no interior, mas trazer alguma coisa cá para fora, uma vez que a localização é privilegiada e um ponto de passagem constante dos visitantes. Assim vai ficar numa parede exterior um painel sobre a evolução do Homem e, na entrada, o modelo do Ichtyostega».

quinta-feira, 4 de junho de 2009

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Sobre Darwin e o darwinismo Reflexão crítica de Álvaro Cunhal


As notas sobre a obra de Darwin, hoje republicadas no Avante!, são mais uma pequena ilustração de um facto incontestável: Álvaro Cunhal foi um notável intelectual. Além das qualidades exemplares como organizador e dirigente político, como teórico marxista-leninista e analista da situação concreta portuguesa, nas suas múltiplas vertentes (económica, social e política), exprimiu também as suas qualidades humanas através da produção artística, como são exemplos a sua arte plástica e escrita criativa. Apesar das suas raízes familiares burguesas e sua formação académica em Direito, enquanto militante do PCP (a partir de 1931, com 17 anos) aprofundou uma ligação estreita com os trabalhadores e o povo português, condição indispensável para conhecer as carências e aspirações mais profundas do nosso povo, o que veio a justificar inteiramente a sua auto-caracterização, em 1950, durante o seu julgamento perante o tribunal plenário, como «filho adoptivo da classe operária».

Manteve porém sempre a sua natureza de intelectual, de estudo constante, de uma curiosidade sem limites. Era capaz de conversar em detalhe tanto sobre formas de rega como de designfinlandês. E mesmo nas condições mais austeras procurava sempre aprofundar o seu conhecimento intelectual. As notas sobre a obra de Darwin foram publicadas após a sua terceira passagem pelas prisões fascistas (foi preso em 1949), quando ainda na Cadeia Penitenciária de Lisboa, e antes da sua transferência para a Cadeia do Forte de Peniche, donde se veio a evadir, juntamente com outros presos, na épica fuga de 1960. Alí, teve oportunidade de ler e estudar mais atentamente as duas obras fundamentais de Charles Darwin, nos seus títulos completos: Sobre a Origem das Espécies por Meio da Selecção Natural, ou A Preservação das Raças Favorecidas na Luta pela Sobrevivência (1859) e a Descendência do Homem, e a Selecção em Relação ao Sexo (1871).

Não era a primeira vez que lia Darwin. Já na sua tese final na Faculdade de Direito Aborto, Causas e Soluções (em 1940) (i) – mais uma ilustração do seu humanismo e capacidade de antecipar o tratamento de temas determinantes, neste caso para a condição feminina – Cunhal faz referência a Darwin e aos panfletos sobre os princípios da população humana do Rev. Thomas Malthus, que inspiraram Darwin a desenvolver a teoria da selecção natural. Não fossem as condições adversas em que Cunhal estudou as obras de Darwin já suficientes motivos de admiração, há que acrescentar dois elementos adicionais que fazem da atenção dada a Darwin ainda mais reveladoras do seu espírito intelectual.

Por um lado, durante a primeira metade do século XX, Darwin foi uma figura relativamente relegada. Durante a sua vida, tinha sido uma figura de referência, e as suas obras eram alvo de grande atenção e debate, em particular a sua teoria de evolução (por oposição à ideia conservadora de criação independente das espécies). Ainda durante a sua vida, as suas ideias foram apropriadas por várias figuras políticas, para justificar e dar fundamento natural ao individualismo e competição promovidos pela burguesia industrial ascendente. Mas após a morte de Darwin, em 1881, embora a evolução se tivesse estabelecido, a influência da Origem e das restantes teorias aí enunciadas, incluindo a teoria da selecção natural, perderam influência, e outras escolas de pensamento dominaram, incluindo escolas que reintegraram a teleologia e o progresso na visão de evolução (ideias rejeitadas por Darwin).

Perspectiva dialéctica

No início do século XX, foram redescobertas as experiências de Gregor Mendel, e o mendelismo – ou a evolução por meio de mutações – tornou-se uma área de intensa investigação científica. Isto é, a biologia e o pensamento evolutivo encontrava-se profundamente dividido e fragmentado. Só na década de 1940 começou a ganhar raízes uma visão mais integradora da biologia (a Síntese Moderna), sintetizando a evolução darwinista de evolução por selecção natural, a paleontologia, a sistemática e a área mais recente da genética (ii). E só em 1959, quando foi comemorado o centenário da Origem, é que as ideias de Darwin voltaram a ser discutidas de forma mais generalizada.

Por outro lado, na URSS, pátria do socialismo e referência para qualquer comunista, a figura mais influente no campo da biologia durante a década de 1930-40 foi Trofim Lysenko, que rejeitava a genética mendeliana e a evolução darwiniana, defendendo antes ideias neo-lamarckianas, em particular a herança de características adquiridas. A influência de Lysenko teve efeitos dramáticos sobre o avanço da ciência agrícola soviética, e foi responsável, na URSS, por um considerável atraso científico na área da Biologia.

Apesar deste contexto, Cunhal, na prisão, na condição de isolamento prolongado, leu Darwin e foi capaz de reconhecer a sua importância científica, criticando inclusivamente a falta em Portugal da sua discussão mais alargada e do seu ensino (que se encontra hoje novamente em condição empobrecida: a evolução biológica do ser humano não é tratada nos actuais programas curriculares). Cunhal faz mesmo uso presciente de uma metáfora («só é possível o estudo da biologia iluminado pela ideia de evolução») que constitui o título de um artigo científico de Dobzhansky (de 1973) – «Nada em Biologia faz sentido excepto à luz da Evolução» (iii) – que hoje é frequentemente citado e parafraseado. Cunhal salienta também as limitações do tratamento de Darwin relativamente ao Homem social. Darwin, porém, não pretendeu nos seus estudos abordar esta componente social. Embora Darwin se tenha manifestado intrigado pelo social noutras espécies (caso das formigas e abelhas), não logrou encontrar uma explicação para comunidades sociais animais, que só nos anos 1960-70 veio a ser melhor entendida do ponto de vista biológico. Em Contribuição para o Estudo da Questão Agrária, publicado em 1966 (iv), Cunhal acusa Darwin de ter «reintroduzi[do] os princípios malthusianos no estudo das sociedades humanas». Porém, esta falácia naturalista não foi cometida por Darwin, mas antes por outros, com ambições políticas, que se apropriaram das ideias darwinistas e desenvolveram o chamado «Darwinismo Social», caso de Herbert Spencer, e fundaram movimentos eugénicos, que assumiram grande influência no início do séc. XX. É certo que Darwin se inspirou nos trabalhos de Malthus (tal como veio a suceder com Alfred Wallace, co-descobridor da teoria da selecção natural), mas Darwin recolhia inspirações de múltiplas fontes, aproveitando ideias para as aplicar no seu tema de interesse: a adaptação e diversidade biológica. É impreciso pensar em Darwin como um subscritor das ideias políticas de Malthus, cujos trabalhos eram efectivamente panfletos políticos contra o apoio social do Estado às massas empobrecidas. Na verdade, a competição por recursos limitados não é sequer condição necessária para a actuação da selecção natural. Trata-se de um caso particular, destacado por Malthus, que permitiu a Darwin inferir um processo mais geral. O sublinhar do papel da competição deve-se mais aos que se apropriaram da onda darwiniana para fins políticos. Tão pouco será correcto historicamente dizer que Darwin desprezava os «selvagens» daTierra del Fuego ou era racista. Darwin pertencia a uma família anti-esclavagista, e ficou profundamente impressionado pelo tratamento dos escravos no Brasil e pelas condições extremas dos Fueginos, regressando da viagem no Beagle mais convencido de que todas as «raças» pertenciam à mesma espécie, e portanto todas teriam direito à sua emancipação (v).

Cunhal sublinha na sua análise «a incapacidade [de Darwin] para compreender que as transformações quantitativas se convertem em qualitativas». Darwin efectivamente propunha uma visão gradual da evolução, à semelhança das transformações geológicas graduais propostas por Lyell. Cunhal faz uma crítica ao gradualismo, aplicando a sua formação marxista-leninista, que veio na segunda metade do século XX a ser defendida por um biólogo evolutivo, também marxista: Stephan Jay Gould e a teoria do pontualismo. Efectivamente, há evidências crescentes de que pequenas modificações genéticas podem dar azo a significativas alterações nas características individuais, e a alterações qualitativas na evolução.

Por não consistir parte do seu objecto de estudo, por limitações da sua origem burguesa, ou por mero receio, Darwin não aplicou o seu materialismo histórico à evolução social do Homem. Felizmente houve quem o tenha feito. No funeral de Marx, em 1883, Engels proclamou que «tal como Darwin descobriu a lei da evolução na natureza orgânica, assim Marx descobriu a lei da evolução na história humana.» Não devemos porém cair no erro de pensar que em dado momento o processo de evolução orgânica humano terminou, o homem se libertou da sua história biológica e entrou numa fase em que apenas passaram a actuar as leis sociais do materialismo histórico. O ser humano é um biológico e social e, tanto as leis marxistas como as darwinianas, de modo dialético, continuam a influenciar a sua história.

André Levy
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i) Reproduzido nas Obras Escolhidas de Álvaro Cunhal, 1935-1947, Tomo I. (2007) Edições Avante!
ii) Sobre a história da biologia evolutiva após a morte de Darwin até aos nossos dias, vejam a introdução de Evolução: Conceitos e Debates (2009) Esfera do Caos.
iii) Publicada em português em Evolução: História e argumentos (2008) Esfera do Caos.
iv) Disponível na internet em http://www.marxists.org/portugues/cunhal/ano/agraria/
v) Ver o livro recente Darwin's Sacred Cause: How a Hatred of Slavery Shaped Darwin's Views on Human Evolution, (2009) de Adrian Desmond e James Moore, Houghton Mifflin Harcourt.


6 de Outubro de 1951 [Sobre a obra de Darwin](1)



Devolvida carta com indicação de não poder seguir nada do que nela dizia acerca da obra de Darwin (e seria «ciência comunista»!)

«Tenho estado a fazer uma revisão geral das duas grandes obras de Darwin a fim de ordenar em apontamentos algumas ideias fundamentais. Não só me foi muitíssimo útil esta leitura – dum modo geral pelo que aprendi e, em particular, por me permitir um mais completo esclarecimento de um problema em estudo para o ensaio sobre a questão agrária que estou preparando – como me deu profundo prazer. Se é certo que na Descendência do Homem, várias centenas de páginas sobre os «caracteres sexuais secundários» em todas as classes do reino animal se tornam por vezes (só por vezes) um tanto pesadas, há tanto nesta obra como principalmente na Origem algumas conquistas definitivas da ciência e tudo o resto (mesmo quando não é acertado) é extremamente educativo e chega a ser entusiasmante. Contudo, quando se lêem alguns livros escritos e publicados no século XX e quando se ouvem certos conferencistas e outros discursadores, dir-se-ia que Darwin nunca existiu, que nunca foi escrita a Origem das Espécies e que o grande passo dado pela biologia no século XIX continua por dar em grande parte do mundo.

Há muito se faz uma verdadeira campanha de silêncio sobre a obra de Darwin. Nos laboratórios e no domínio da técnica aproveita-se os seus resultados práticos. Mas em público nega-se as suas ideias teóricas. Não me recordo de ter ouvido o seu nome nos bancos das escolas, nem me consta que haja referência à selecção natural e à evolução das espécies nos livros de «ciências naturais» para estudos secundários. Compreende-se uma tal campanha de silêncio. O evolucionismo nas ciências biológicas (assim como na geologia), além de tudo quanto afirma e implica acerca da origem do homem e do mundo, traz consigo (embora contra a intenção de Darwin) a ideia particularmente indesejável de que também as sociedades humanas evoluem, também nas sociedades humanas nada há de permanente e eterno. Lyell, que descobriu a evolução geológica, duvidou longos anos da evolução das espécies. Darwin, que descobriu a forma da evolução das espécies, nunca compreendeu a evolução do homem e das sociedades humanas. E, contudo, estas conquistas, no domínio da geologia, da biologia e da sociologia, não são de forma alguma divergentes. Mas Lyell só cerca dos 70 anos e contra os seus próprios sentimentos e crenças se rendeu à evidência dos factos e aceitou o transformismo. E Darwin não pôde sair de um grande número de limitações que lhe tolhiam a investigação acerca do homem, não na sua estrutura física (em que foi mestre), mas na sua vida social e na sua actividade intelectual. Respondendo a um autor que lhe oferecera uma obra fundamental de economia política, Darwin escrevia ser apenas um naturalista e nada perceber dessas questões… (2)

A resposta não foi sincera, pois Darwin bebera em Malthus a sua Struggle for life e a sua «selecção natural». Mas essa resposta explica a sua impossibilidade de ver além do acanhado horizonte do seu extracto. Daí ter considerado a evolução do homem no ponto de vista exclusivamente biológico como se nela não interviesse fundamentalmente a vida social. Daí ter considerado as super-estruturas ideológicas como de natureza puramente animal (e não de origem social) e ter não só aproximado (como seria legítimo), mas identificado as emoções e os sentimentos humanos como os das outras espécies animais. Daí ter aceitado a existência de conceitos universais e imperecíveis como do belo, do justo e do bom. Daí a sua aproximação de certas raças humanas com os animais inferiores não compreendendo as razões do seu atraso e as possibilidades actuais de o superar. Daí a sua incapacidade para compreender que as transformações quantitativas se convertem em qualitativas e a consequente evolução por saltos bruscos, tanto no campo biológico como no social. Daí o seu desprezo pelos «selvagens», o seu racismo, o seu antifeminismo, o seu espírito marcadamente britânico e whig.

Só ideólogos de um novo e ascendente extracto poderiam e puderam romper essas limitações, vencer essas dificuldades e resolver o problema da evolução do homem como evolução distinta (a partir do momento em que criou e empregou instrumentos de trabalho) da evolução das outras espécies vivas. Darwin não pode alcançar que, desde esse momento, o homem, com um propósito consciente, passou a agir sobre a natureza e a transformá-la. Apesar porém dessas limitações, os resultados fundamentais obtidos por Darwin não só afastaram de vez a teologia e o finalismo do campo das ciências biológicas, como se mantêm de pé nos dias de hoje.

Antes de Darwin estudava-se a biologia com a ideia formada da imutabilidade das espécies e o próprio Darwin, ao declarar a 1.ª vez o seu convencimento da evolução, dizia parecer-lhe «estar a confessar um assassínio».

Depois de Darwin só é possível o estudo da biologia iluminado pela ideia da evolução; só é possível o estudo da pré-história iluminado pela ideia de que o homem provém de uma espécie inferior desaparecida; e no domínio dos outros ramos da ciência (geologia, embriologia, etc.) não pode haver um estudo científico se se ignorar Darwin.

Negando-se Darwin, a ciência volta à sua fase teológica e medieval.»
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(1) Estas considerações sobre a obra de Darwin que Álvaro Cunhal transcreve de uma sua carta à familia (Obras Escolhidas, II Tomo, Edições Avante!, p. 135-137), que não chegaria ao seu destino, serão desenvolvidas na carta de protesto de 6 de Outubro de 1951, que a seguir publicamos na integra (Obras Escolhidas, II Tomo, Edições Avante!, p.139-142).

(2) Trata-se da carta datada de 1 de Outubro de 1873 em que Darwin agradece a Karl Marx a oferta que este lhe fizera de um exemplar de O Capital.



6 de Outubro de 1951



Ex.mo Senhor Director da Cadeia Penitenciária de Lisboa

Álvaro Cunhal, preso nesta Penitenciária, vem, perante V.Ex.cia expor o seguinte:

1 – Foi-me hoje devolvida uma carta, que tinha escrito à minha família(1), com a indicação de não poder seguir, por conter «ciência comunista». Dada a minha surpresa e o meu pedido para me serem indicadas as passagens da carta que motivaram essa opinião e a decisão correspondente, fui esclarecido que se tratava de tudo quanto nela dizia acerca da obra de Darwin. Embora eu soubesse o que tinha escrito e, como sempre, me tivesse esforçado (dada a minha situação) para não dizer tudo quanto penso, fui ler e reler a carta censurada. E se, ao ser-me comunicada a decisão acima referida, senti apenas surpresa, depois de nova leitura do que tinha escrito fiquei verdadeiramente perplexo.

2 – Se eu tivesse abordado, em volta das teorias darwinistas e à base do marxismo-leninismo, alguns dos problemas cruciantes da sociologia contemporânea; se, em confronto com Darwin, tivesse abordado as formas de selecção na sociedade dividida em classes e aproximado a selecção natural da luta de classes; ou se, contra Darwin, tivesse mostrado como a exploração económica e a opressão política levam muitas vezes à «selecção dos piores»; ou se tivesse abordado o problema da revolução proletária, do socialismo, do desaparecimento das classes e da evolução subsequente da espécie humana; ou se tivesse mostrado como a struggle for life darwinista não era mais que a concorrência e a luta na sociedade burguesa transplantada para os reinos animal e vegetal e uma verdadeira declaração de guerra da burguesia ao proletariado; se tivesse estudado à luz dessas noções a sociedade portuguesa contemporânea e alguns aspectos da política seguida actualmente em Portugal – então bem justificado seria que V.Ex.cia considerasse existir na minha carta uma exposição de ideologia comunista. E, dado o regime de falta de liberdade existente em Portugal, seria para mim compreensível que, nesse caso, exercesse a sua censura. Mas, quando tem havido e continua a haver da minha parte o cuidado de não só afastar dos meus estudos problemas como os apontados, como de não abordar na correspondência questões que possam ser levadas à conta de «políticas», sinceramente digo não ter compreendido a decisão.

3 – A mim mesmo pergunto: terá sido considerado «ciência comunista» a aceitação da evolução das espécies e da origem animal do homem? Ou afirmar haver na obra de Darwin algumas conquistas definitivas da ciência? Será menos exacto (aqui não se trata sequer duma orientação) referir a campanha de silêncio sobre a obra de Darwin e atribuir a causa desse silêncio ao que tal obra afirma ou implica acerca da origem do homem e do mundo e do carácter transitório das sociedades humanas? Será «ciência comunista» afirmar que, no estudo das ciências biológicas antes de Darwin, estavam presentes a teologia e a teleologia e que a negação de Darwin conduz de novo à intervenção duma e de outra? Será «ciência comunista» afirmar as limitações de Darwin no estudo do homem e das sociedades humanas? E que na evolução do homem intervêm factores sociais? E que os sentimentos humanos, os pensamentos humanos, as noções de beleza, de bondade, de justiça, não são comuns (ainda que em grau diferente) a moluscos, insectos, peixes, aves e mamíferos (incluindo o homem), mas especificamente humanos, diferenciados de povo para povo e mesmo dentro de um mesmo povo através da história? E que no mundo animal e vegetal e na transformação das espécies, assim como na história das sociedades humanas, não se verifica o preceito de Leibniz (natura non fecit saltus(2)) mas há que dar uma grande atenção aos «saltos bruscos» (as «mutações» ou as invasões bárbaras, por exemplo)? Será menos verdadeiro dizer que Darwin manifestou desprezo («cientificamente» fundamentado e explicado em numerosas passagens) pelos «selvagens», pelas outras raças, pelas mulheres? Confesso, Sr Director, que não enxergo aqui (e está aqui condensada toda a passagem censurada da minha carta) qualquer ideia que não seja ou não possa ser aceite por qualquer homem com um mínimo de instrução e que preze a verdade, embora nada tendo de comunista, nem no pensar nem no agir.

4 – Se o que feriu a sensibilidade de V. Ex.cia e determinou a sua decisão foram as alusões, mais que genéricas, à incompatibilidade das ideias darwinistas e da investigação científica com as crenças católicas acerca da origem do mundo e do homem, julgo ser legítimo (sem que isso tenha alguma coisa a ver com política) que qualquer pessoa se prenuncie por umas ou por outras. Aliás na minha carta referi-me à teologia e à teleologia em geral, não abordando nenhuma das mil e uma questões referentes ao catolicismo e à ciência que poderia eventualmente ter abordado. Não sei se V. Ex.cia já leu a Bíblia. Eu li mais que uma vez e com a atenção devida. Não sei também se V. Ex.cia já conversou a este respeito com cientistas católicos que tenham lido a Bíblia e conheçam a obra de Darwin (não daqueles que defendem a primeira e criticam a segunda, sem jamais terem folheado nem uma nem outra). Eu já conversei e alguma coisa aprendi com eles. Não tenha V. Ex.cia a mínima dúvida de que qualquer antropologista católico se debruça com mais atenção sobre os restos de Neandertal ou de Cro-Magnon do que sobre o número de gerações contadas desde Adão pelos velhos escritores hebraicos; de que qualquer geólogo católico atende mais aos Princípios de Lyell(3) do que à Génese(4); de que qualquer zoólogo ou botânico católico não ignora nem pretende ignorar Darwin. Ninguém mais do que eu respeita as crenças alheias, como infelizmente não respeitam as minhas. E se um homem culto, ou mesmo apenas instruído, me disser (não por conveniências de qualquer natureza, mas com íntima sinceridade) acreditar nas origens da terra e do homem tal como Velho Testamento as descreve, se me disser que a sua inteligência aceita melhor a Génese do que a Origem das Espécies ou os resultados de Laplace, de Newton, de Lyell, isso não faz mais do que comprovar a minha velha convicção do grande poder que sobre as almas e as inteligências têm as crenças religiosas. Não penso entretanto que exista no mundo um único homem de ciência (seja qual for a sua crença) que se sujeite ao ridículo de defender a imutabilidade das espécies. Nem algum historiador que, no século XX, se sujeite à aventura de estudar a pré-história como o fez o frei Bernardo de Brito. Mas, Sr. Director, qualquer que seja a opinião que se possa ter sobre este assunto, que tem isto a ver com «política»? e com «comunismo»? Que tem isto a ver com ideias que um preso não pode manifestar?

5 – Neste momento sou um preso escrevendo ao Director da Cadeia onde me encontro. Sei o que esta situação implica. Mas se me fosse lícito esperar que V. Ex.cia pudesse meditar, apenas com a sua inteligência e o seu espírito crítico, sobre o que nesta carta digo, não tenho dúvidas de que acordaria em que não refiro factos controversos e em que algumas das minhas ideias censuradas não excedem conhecimentos elementares ou meras indicações de senso comum.

6 – Ainda sobre um aspecto me permito solicitar a atenção de V. Ex.cia. Estou isolado há mais de dois anos e meio, dos quais 14 meses em prática incomunicabilidade. Entre várias outras restrições invulgares, não me é dado conversar um pouco com quem quer que seja, além da hora de visita semanal. V.Ex.cia, como Director duma Penitenciária, conhece perfeitamente os efeitos normais do isolamento prolongado na saúde dos reclusos e, nesta mesma Penitenciária, há afixados nas paredes gráficos bem elucidativos a esse respeito (mortalidade nos regimes «auburniano» e «pensilvaniano»(5). Creio que as razões fundamentais por que tenho conseguido manter, em tão prolongado isolamento, um estado de saúde razoável (além da tranquilidade de consciência, do tratamento médico(6) e da dieta fornecida por esta Penitenciária) são o meu amor pelo estudo, o facto de absorver no estudo total e permanentemente a minha atenção e a grande alegria que me dá ver uns instantes aqueles que me são queridos e conversar com eles por correspondência um pouco mais. Se, desde que estou preso, me é imposto não manifestar quanto penso, não me pode ser exigido (nem certamente foi essa alguma vez a ideia de V.Ex.cia) manifestar o que não penso, e muito menos pensar com o pensar dos outros. Dada a minha incompreensão dos reais motivos da censura da minha referida carta, não sei se houve mudança de critério e se há o propósito de me cortar esta bem magra possibilidade de trocar algumas impressões com semelhantes meus.

A censura desta minha carta sucede-se com poucos dias ao indeferimento duma solicitação minha para utilizar uma máquina portátil de escrever(7), indeferimento esse que também não compreendi, dado que estou permanentemente fechado na cela, dado que se trataria de usar papel numerado e rubricado e dado que nesta Penitenciária já tive ocasião de ouvir escrever à máquina dentro de outras celas, certamente portanto por outros presos. O futuro me esclarecerá do significado destes incidentes na minha vida de prisioneiro.

(1) - Que acima publicamos na íntegra (Obras Escolhidas, II TOMO, Edições Avante!, p. 135-137).
(2) - Em Latim no Original: A Natureza não dá saltos.
(3) - Referência aos Princípios de Geologia (1833) de Charles Lyell.
(4) - Referência ao primeiro livro do Velho Testamento.
(5) - Sistemas prisionais cuja principal diferença residia no facto de que, no sistema auburniano, os presos apenas estavam separados durante o período nocturno, tendo a possibilidade de trabalhar juntos durante o dia.
(6) - Quanto ao tratamento médico a situação iria mudar. Ver em particular a carta de 28 de Janeiro de 1954 (Obras Escolhidas, II Tomo, Edições Avante!, p. 151-157)
(7) - Ver carta de 24 de Setembro de 1951 (Obras Escolhidas, II Romo, Edições Avante!, p. 133). Ver ainda o ponto 1 da carta de 6 de Novembro de 1953 (Obras Escolhidas, II Tomo, Edições Avante!, p. 149). e o ponto 4 da carta de 9 de Novembro de 1954 (Obras Escolhidas, II Tomo, Edições Avante!, p. 159-164).



segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Debates da Ciênci@vante! 2008


Sexta feira (21,00H)

- Saúde e sentidos – as políticas necessárias

Sábado (16,30H)

- Ciência e Tecnologia ao serviço dos sentidos

Sábado (21,00H)

- Sinistralidade Laboral – um outro olhar é preciso

Domingo (15,00H)

- O Universo com sentidos



domingo, 20 de julho de 2008

Espaço da Ciência e Tecnologias aborda os cinco sentidos

«Sentir a vida, transformar o mundo»

Com o lema «Sentir a vida, transformar o mundo», o Espaço da Ciência e Tecnologias vai, este ano, acolher uma exposição sobre os cinco sentidos (visão, audição, olfacto, paladar e tacto). Em entrevista ao Avante!Augusto Flor, Sílvia Silva, Joana Dinis, Anabela Silva, Alice Figueira, Aurora e Patrícia Barbado desvendaram os «segredos» do espaço, um dos mais interactivos e procurados, durante os três dias, pelos visitantes da Festa.

«Através dos cinco sentidos temos a capacidade e a percepção da vida e do mundo que nos rodeia. No entanto, não basta percepcionar e compreender, temos, de igual forma, que transformar o que está mal no mundo», afirmou Augusto Flor, referindo que o tema foi escolhido tendo em conta, como não poderia deixar de ser, «os aspectos de ordem e de oportunidade política».

Sobre a exposição, sublinhou que a estrutura do espaço parte do ponto de vista da ciência e da tecnologia. «Vamos demonstrar o composição, a organização, a estrutura, a sistematização de cada um dos sentidos, a influência que eles têm na nossa vida, em todos os nossos comportamentos e atitudes, e também o que acontece na ausência deles», acentuou, dando o exemplo da deficiência, congénita ou provocada, «por sinistralidade no trabalho, rodoviária ou por uma qualquer causa».

Naquele espaço, que, assim como na edição anterior, fica junto ao lago, vai ser possível ver e analisar «sentido a sentido». «Não é apenas ciência pela ciência ou tecnologia pela tecnologia, é isto visto num todo, de uma forma integrada, que tenha a ver com a vida», disse Augusto Flor.
A primeira parte da exposição vai focar os sentidos e o cérebro. «Percepcionamos através dos sentidos, mas depois queremos assimilá-los para o cérebro», explicou Sílvia Silva, acrescentando: «Temos cinco áreas que dizem respeito a cada um dos sentidos, que iremos abordar, numa perspectiva científica, como é que é constituído o órgão sensorial, como é que funciona, como é que se faz a ponte entre os sentidos e o cérebro, o que acontece na limitação ou na ausência de um destes sentidos».

O visitante poderá ainda perceber como funcionam os sentidos nos outros animais. «Queremos que seja dada uma perspectiva bastante geral do tema, fazendo a ponte entre as áreas áreas: a fisiologia, a fisionomia, a química, a física», disse ainda Sílvia Silva.

Reagir a sensações

Existem ainda outros sentidos, considerados auxiliares, que também terão destaque na exposição. «Vamos tentar explicar como é que o nosso organismo reage a outras sensações e como é que os outros sentidos se relacionam com os principais», frisou Joana Dinis, dando o exemplo das reacções às variações de temperatura, à dor, à fome, à sede e ao equilíbrio.
Na exposição, em colaboração com o Núcleo de Física do Instituto Superior Técnico, vão também se realizar experiências, nomeadamente com o som e a luz. «Explorar como é que eles (os sentidos) funcionam, dando exemplos práticos. Perceber coisas que aparentam ser obvias e que, normalmente, não ligamos muito a elas», destacou.
Com a colaboração do professor Máximo Ferreira, o visitante da Festa do Avante! tem ainda a possibilidade de observar o céu e os astros.

Avanços tecnológicos

Numa perspectiva cientifica e tecnológica dos cinco sentidos, vão ainda ser abordados os avanços tecnológicos e a forma como estes poderão contribuir para a melhoria da qualidade de vida do ser humano, nomeadamente o olho e o ouvido biónico. «Esta tecnologia tem a convergência de várias ciências como a biologia, a física, a informática e a economia», comentou Anabela Silva.
Na exposição haverá, de igual forma, referência sobre às curiosidades de cada sentido. No caso dos invisuais, por exemplo, «como é que eles utilizam o tacto para a leitura». «Os pontos do sistema braille têm uma distância que é para os receptores não se confundirem», informou.
Os sentidos dos animais também vão estar presentes nesta mostra. «O chamado “terceiro olho” dos répteis, no centro da cabeça, funciona como um relógio biológico que controla a reprodução e a hibernação», revelou Anabela Silva.
Ali, os mais pequenos encontrarão ainda um espaço, relacionado com o tema, com jogos e ateliers.

A ciência e as artes

Porque a arte está, directamente, relacionada com a ciência e a tecnologia, no auditório do espaço vão passar vários filmes onde se exploram os sentidos. «Janela da Alma», «Luzes da Ribalta», «O Céu de Lisboa», «Filhos do Silêncio», «A Música e o Silêncio», «Perfume de Mulher», «Como Água para o Chocolate», «O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante», «Tampopo – Os Brutos Também Comem Esparguete», «Os Cinco Sentidos», «Chocolate» e «Um Toque de Canela», são algumas das películas a exibir.

Alice Vieira salientou ainda que vão estar expostas várias obras literárias, nomeadamente de José Saramago (Ensaio sobre a Cegueira), de Alberto Caeiro (Guardados de Rebanhos) e de Virgílio Ferreira (A Esplanada sobre o Mar). «E os olhos que vêem o cinema; os ouvidos que escutam a música; os dedos que sentem as formas; o gosto das palavras; o cheiro dos lírios do campo, estão presentes nas nossas memórias e nas nossas emoções perante o mundo que se vê, se sente, se ouve... e lá está a ciência a estudar o olho, a língua, o ouvido.. e como tudo se equilibra, mesmo quando falha algum...», proseou.

Por todo o espaço, ainda numa componente artística, estará patente um conjunto de esculturas, feitas com rede e ligadura de gesso, de autoria de Aurora Bargado. «O olfacto, a visão e a audição são em tamanhos grandes (80 centímetros). Para o tacto fiz mãos, com várias posições. Vai ainda ser executada uma cabeça, grande, para retratar o cérebro», revelou. O objectivo, adiantou, «é que estas peças tenham impacto quando as pessoas visitarem a exposição».

Mais e melhor

O espaço da exposição vai sofrer alterações. Com o objectivo de minimizar os vários problemas, ao grupo de trabalho juntou-se Patrícia Bargado. Segundo nos explicou, este ano, será resolvida, pelo menos espera-se, «a questão do barulho, da iluminação e da organização do espaço». «Na saída, por exemplo, a porta é mais pequena, para que as pessoas não tenham a tendência de entrar», apontou.

Ciência com componente política

No decorrer da entrevista, Augusto Flor destacou a «forte» componente política no Espaço da Ciência e Tecnologias, «de conhecimento mas também de construção da opinião política e das posições do Partido».

Nesse sentido, será abordada, inevitavelmente, a área da saúde, «desde as listas de espera até às questões das especialidades». «No fundo, tudo aquilo que tem a ver com os cinco sentidos e as respostas que a sociedade, nomeadamente o Serviço Nacional de Saúde, oferece ao cidadão», afirmou.

Numa outra área, do ponto de vista político, falar-se-à de deficiência. «No caso dos sinistralizados no trabalho, vamos ver como funciona a tabela de incapacidades das seguradoras. Iremos ainda apresentar um exemplo de como a luta de uma família permitiu que o Estado cedesse a aquisição de um equipamento tecnológico, altamente sofisticado, que permitiu a uma jovem surda-muda passasse a ouvir», revelou Augusto Flor.

Por fim, na exposição, a economia estará em destaque. «É através da economia e dos seus indicadores que nos apercebemos da importância da tecnologia ao serviço do ser humano. Hoje, existem tecnologias que, por razões de ordem económica e de classe não estão acessíveis a toda a gente», criticou.

Para o debate político, Augusto Flor valorizou a cooperação de algumas instituições ligadas à deficiência, ao trabalho, ao emprego, «não só na sua presença como na sua participação». «Teremos, certamente, três debates, um sobre “a ciência e a tecnologia ao serviço do ser humano” outro sobre “as questões da deficiência” e um outro sobre “a saúde”», revelou.

Para além de um momento de poesia, acontecerá uma conferência, a cargo do professor e astrónomo Máximo Ferreira, sobre os cinco sentidos. «Como é que nós, seres humanos, através dos nossos sentidos, nos apercebemos, percepcionamos toda a complexidade que a astronomia nos pode transmitir e também o inverso. E também como ela se reflecte através dos nossos sentidos», sublinhou.

No final da exposição, com os olhos postos no futuro, sendo este um instrumento de trabalho, será editado um CD com o teor da exposição.

Publicado no Jornal "O Avante!" (Artigo publicado na Edição Nº1807)
http://www.avante.pt/noticia.asp?id=25363&area=19&edicao=1807


sábado, 19 de julho de 2008

Os 5 Sentidos (Ciênci@vante! 2008)


“Ensinar a olhar os problemas que a humanidade enfrenta através dos olhos da ciência poderá certamente trazer um importante contributo para a democracia, para a qualidade de vida dos cidadãos, para o bem-estar de toda a sociedade” (Granado e Malheiros, jornalistas)


Sentir a vida, transformar o mundo!

A exposição de ciência da Festa do Avante! tem abordado temas tão relevantes como a astronomia, a física, a robótica, os materiais e as sua propriedades, a água, a energia, a fome, os recursos geológicos e até os transportes terrestres.

A escolha dos temas, embora muitos outros ainda estejam por abordar, vai ao encontro da urgência de assum
irmos estas questões reais, prioritárias e cada vez mais graves para as actuais e futuras gerações, numa perspectiva científica, tecnológica mas também política.

Num processo dialéctico de permanente questionamento, este ano propomos-nos apresentar uma exposição que tem por base os 5 sentidos.

“Como comunicar sem um ou mais sentidos? Será a nossa visão igual à dos outros animais? Podemos saber a idade de uma estrela apenas olhando para ela? Qual a relação entre o nosso equilíbrio e a nossa audição? Porque sentimos frio e calor?”

Estas são algumas das questões que serão abordadas este ano no espaço Ciênci@vante!, propondo aos visitantes uma incursão pelos cinco sentidos humanos e embarcando numa viagem pela transformação do nosso mundo. As nossas acções e interpretações sobre o meio que nos rodeia estão amplamente ligadas à nossa capacidade de percepcionar a informação que nos chega a cada momento. Cada sentido é uma ponte entre o homem e a sociedade, e cabe a cada um de nós, como membros dessa sociedade, entender, construir e sustentar estas pontes.

Este é o fio condutor de uma exposição que pretende explicar cientificamente como funcionam os nossos sentidos, o que acontece na ausência ou deficiência desses sentidos, porque é que são tão importantes no nosso dia-a-dia, quais as repercussões na forma de comunicar e quais as principais diferenças com os sentidos de outros animais, como é que os avanços tecnológicos podem contribuir para a replicação dos sentidos e os benefícios da sua aplicação na melhoria da qualidade de vida dos indivíduos, entre muitas outras curiosidades.

Os 5 sentidos são ponto de partida para outras abordagens indissociáveis dos actuais problemas no sector da saúde, da empregabilidade e segurança no trabalho, das acessibilidades e transportes, da educação, da comunicação, da economia entre outros, pelo que também estas áreas serão abordadas ao longo da exposição.

O espaço Ciênci@vante! vai contar, como tem sido habitual, com módulos de Astronomia e Física, com a colaboração, respectivamente, do Astrónomo Máximo Ferreira e do Núcleo de Física do Instituto Superior Técnico. Nesta área interactiva estarão disponíveis de uma forma lúdica, rigorosa e ao mesmo tempo apelativa, experiências e observações que irão pôr em prática alguns dos assuntos levantados pela exposição.

Os debates, as palestras, a arte da escultura, a literatura e o espaço criança irão dar um especial contributo para reavivar todos os sentidos, e ajudar a consolidar algumas das pontes que poderão transformar o nosso mundo.

Mais uma razão para nos encontrarmos na Festa do Avante!

Não há Festa como esta!